Juarez M. Avelar
A pele é o maior e o mais extenso órgão do corpo humano e representa aproximadamente 15% do seu peso corporal. Exibe espessura irregular variando de uma região para outra com certo grau de impermeabilidade. Das múltiplas funções da pele, conservação da homeostasia (termorregulação), controle hemodinâmico, excreção de metabólitos e muitas outras são as mais importantes que determinam isolamento com o meio exterior.
Apresenta capacidade de informação sensorial, devido à presença dos elementos do sistema nervoso situados na derme (Fig. 1 e 2). Dentre outras funções exerce a de defesa como elemento físico e químico (ceratinização e manto lipídico) e imunológico (anticorpogênese). Também possui a capacidade de se renovar e de reparação.
Embriologicamente tem origem de dois folhetos: ectodérmico e mesodérmico. Do ectodérmico originam as estruturas epiteliais (epiderme, glândulas, pêlos e unhas) e neurais (melanócitos e nervos). Do mesoderma derivam a derme e a hipoderme (Fig. 1 e 2).
Como órgão mais externo, a pele reveste e delimita toda a estrutura do corpo humano, exceto em orifícios naturais, onde é substituída por outros elementos histológicos, que desenvolvem funções específicas com fisiologia peculiar em cada local.
O aparelho digestivo é um extenso conjunto de órgãos, que vai da boca ao ânus, revestido por estrutura mucosa, desenvolvendo funções especializadas em cada segmento. Os lábios exibem uma estrutura intermediária denominada “vermelhão dos lábios”, a qual é uma zona de transição entre a pele e a mucosa bucal (Fig 3). Esta é constituída de elementos delicados, com poucas camadas que se diversificam em cada segmento do aparelho digestivo, cobrindo internamente toda a luz do tubo gastro-intestinal. Com efeito, a massa corporal é revestida externamente pela pele e internamente pelas camadas do tubo digestivo com as inerentes funções de digestão, secreção, absorção e eliminação (Fig. 7 e 8).
O sistema respiratório, igualmente, exibe revestimento mucoso desde as fossas nasais (Fig 3), faringe, traquéia, brônquios e bronquíolos, destinados a receber o oxigênio e eliminar gás carbônico e outros elementos (Fig 4). A mucosa nasal apresenta peculiares modificações no limite da pele com a mucosa, para fazer o forro nasal, na filtragem e aquecimento do ar ambiente a ser conduzido aos pulmões. A estrutura mucosa é rica em cílios microscópicos, os quais visam eliminar partículas estranhas à árvore respiratória (Fig 3 e 4).
O ouvido externo é formado por um canal sinuoso revestido internamente de pele com todas as camadas até o tímpano (Fig 5). Este, por sua vez, é constituído de película com histologia altamente especializada que delimita o ouvido externo do ouvido médio. O canal auditivo está sempre aberto graças às estruturas cartilaginosas que o demarcam.
O aparelho da visão apresenta revestimento interno formado pela conjuntiva que tem a função específica de lubrificar e proteger o globo ocular (Fig. 6). A fenda palpebral delimita a pálpebra superior e inferior onde estão à zona de transição da pele para formar a conjuntiva.
O sistema urogenital exibe canais virtuais que só se abrem na passagem dos elementos de eliminação ou pela penetração ativa de elementos externos. A uretra masculina e feminina está sempre fechada para impedir a ascensão de corpos estranhos (Fig 7). É coberta com mucosa característica a cada segmento com função de secreção e eliminação. A vagina (Fig 8) também está sempre fechada caracterizando-se como um canal virtual.
A mama, a seu turno, apresenta canal de eliminação da secreção mamária, igualmente virtual pois só se abre no momento da lactação ou de eliminação de elementos anômalos (Fig.9).
Portanto a natureza criou estruturas altamente especializadas para proteger o corpo humano. Os orifícios naturais (ouvido, nariz, boca e olhos) estão sempre abertos ou se abrem voluntariamente para a entrada dos elementos vitais.
Já os orifícios de eliminação de secreção e produtos de degradação (uretra masculina e feminina, ânus, vagina e papila mamária) estão sempre fechados comportando-se como orifícios e canais virtuais que não se abrem voluntariamente mas sim passivamente por aumento da pressão interna do respectivo órgão.
Com efeito, tanto a pele como os orifícios naturais, quer de entrada (olhos, nariz, boca e ouvidos), quer os de eliminação (papila mamária, uretra masculina e feminina, vagina e ânus) estão normalmente constituídos desde a fase embriológica e fetal e assim permanecem ao longo da vida. Os orifícios de entrada exibem estrutura anatômica e histológica para proporcionar a entrada livremente dos elementos inerentes à vida humana.
Em contrapartida, os orifícios e canais de eliminação, são virtuais, ainda que constituídos desde a fase embriogênica dispõem de estrutura histológica para a completa obliteração, independentemente da ação voluntária, como proteção aos órgãos respectivos.
CONSTITUIÇÃO HISTOLÓGICA DA PELE:
A pele é composta basicamente de 3 camadas: epiderme, derme e hipoderme ou tecido celular subcutâneo (nessa seqüência de fora para dentro) (Fig. 1 e 2).
A epiderme é a camada superior da pele caracterizada como um tecido epitelial estratificado córneo. Na sua estrutura consideramos as células epiteliais constituídas por queratinócitos, melanócitos, células de Langerham e as células de Merckel.
O sistema queratínico (queratinócitos) é constituído por 4 camadas: basal, espinhosa, granulosa e córnea. Em sua parte mais profunda, encontra-se a camada basal (Fig.2). Depois, as células se diferenciam, formando a camada espinhosa ou de malpighi. A camada granulosa é formada por grânulos de queratoialinina, em seu citoplasma. A camada córnea, é a mais exterior e constitui-se de lâminas superpostas de queratina, cuja espessura varia com a região sendo mais espessa nas regiões palmoplantares. É a camada morta da epiderme.
Dentre os anexos da epiderme, podemos destacar: folículo pilossebáceo, glândulas sudoríparas e unha. As glândulas sudoríparas são de 2 tipos: apócrinas e écrinas (Fig. 1 e 2). As apócrinas desembocam diretamente nos folículos pilossebáceos. As écrinas predominam nas regiões palmoplantares, mas estão praticamente presentes em toda a pele. O folículo pilossebáceo é composto de pêlo e glândula sebácea; em regiões como axilas, púbis e mamas, desembocam no folículo das glândulas sudoríparas apócrinas. Os folículos pilossebáceos existem em toda a pele, exceto nas regiões palmoplantares. Apresentam variações regionais, por exemplo, no couro cabeludo e púbis, são mais grossos, com glândulas sebáceas relativamente menores, enquanto na face predomina o lanugo, com glândulas sebáceas bem desenvolvidas.
A derme consiste de substância fundamental, fibras, vasos e nervos, além dos folículos pilossebáceos e das glândulas sudoríparas já descritos na epiderme. Pode ser dividida em duas partes: 1) derme superficial ou papilar, constituída de células e feixes fibrilares de colágeno; 2) a derme profunda ou reticular,que constitui-se de feixes mais grossos de fibras colágenas (Fig. 2).
Os vasos da derme são sanguíneos e linfáticos e formam dois plexos um superficial e outro profundo (Fig. 1 e 2).
As células que compõem a derme são fibroblastos, histiócitos, mastócitos, células de Langerhans e linfócitos.
A hipoderme é a camada mais profunda da pele, constituída principalmente por: septos de colágeno, vasos sanguíneos e células adiposas. O panículo adiposo, além de funcionar como depósito energético, exerce as funções de proteção contra choques e na regulação térmica para manutenção da homeostasia (Fig. 1 e 2).
A pele apresenta rica inervação proveniente dos ramos nervosos da medula espinhal e gânglios simpáticos com terminações nervosas constituídas por células especializadas participando nos mecanismos de defesa sensíveis à alterações térmicas, táteis e dolorosas bem como do mecanismo homeostático (Fig. 1 e 2).
FISILOGIA DA PELE:
A pele constitui uma barreira natural separando o meio interno do organismo humano do contato com o meio externo. Dessa forma, através de suas inúmeras funções, é possível a manutenção do equilíbrio homeostático. A barreira química é representada pelo manto lipídico que mantém o ph ácido na camada córnea e exerce atividade antimicrobiana, e a imunológica, presente, na epiderme, através das células de Langerhans e, na derme, à custa de macrófagos, linfócitos e mastócitos. A pele apresenta capacidade protetora devido as suas características de modelagem e elasticidade propiciadas pelas fibras de colágeno e elastina. A proteção total ou parcial contra agentes físicos, se deve à capacidade de absorção de radiações calóricas, ultra-violetas e até mesmo ionizantes, através dos melanócitos.
A termorregulação se dá por mecanismos químicos e físicos através do sistema nervoso autônomo, que pode determinar vasodilatação ou vasoconstricção, permitindo assim a dissipação ou retenção do calor. Além disso as glândulas sudoríparas participam na dissipação do calor através da eliminação de maior ou menor quantidade de vapor d’água.
Apresentam, ainda, as funções de secreção (ceratina, melanina, sebo e suor), excreção (água e eletrólitos pelas glândulas écrinas) e metabolização (testosterona, progesterona, estrógenos, glicocorticóides e também na produção da vitamina D).
CICATRIZAÇÃO:
A cicatriz decorrente de trauma tecidual, caracteriza-se por um tecido fibroso, de estrutura, textura e elasticidade diferentes do tecido sadio. Vale mencionar que as incisões cirúrgicas (cortes nos tecidos) representam igualmente imenso trauma tecidual.
Durante a cicatrização a hemostasia, combate a infecção, redução da área cruenta e a epitelização ocorrem, a fim de evitar sangramento, sepse, perda volêmica além de proteger o organismo do meio externo.
Existem diversos fatores que interferem no fenômeno da cicatrização, os quais são divididos em internos e externos. Podemos citar a infecção, o mecanismo do trauma, a ação de determinados fármacos e a irradiação como fatores externos. Dentre os internos destacam-se a desnutrição e patologias prévias como diabetes e obesidade.
A cicatrização apresenta grande complexidade e o processo envolve quatro etapas, divididas desta maneira com fins didáticos:
a) inflamatória
b) epitelização
c) fibroplasia
d) remodelação
a) Fase inflamatória – ocorre inicialmente vasoconstrição transitória, seguida de vasodilatação e estravasamento de plasma na ferida, com formação de um exsudato inflamatório apresentando-se clinicamente com dor, calor, rubor e tumor. É importante salientar que o processo inflamatório é diretamente proporcional à lesão tecidual.
Logo após o trauma os leucócitos polimorfonucleares são os primeiros a chegar à ferida, seguidos pelos neutrófilos, responsáveis pela limpeza da mesma através da remoção de corpos estranhos, bem como do desbridamento de tecido atingido bem como bactérias. A hemostasia é feita pelo sistema de coagulação. Uma rede de fibrina formada nessa fase será a base para a migração de macrófagos e fibroblastos e sem ela inibe-se a cicatrização. Os macrófagos atingem a ferida até um dia e meio após o trauma e agem como células fagocitárias terminando a limpeza local. O linfócito é o último tipo celular que migra para a ferida nessa fase inflamatória e sua função ainda não está esclarecida.
b) Fase de epitelização – O isolamento entre os meios interno e externo se dá através do processo de epitelização que se inicia 48 a 72 horas após a lesão e consiste na multiplicação das células da borda da ferida até que se cubra toda a superfície lesada, originando novo epitélio.
c) Fase de fibroplasia- os fibroblastos surgem na ferida aproximadamente no segundo ou terceiro dia após o trauma iniciando a fase de fibroplasia e ao final da primeira semana predominam nas feridas. São os responsáveis pela produção do colágeno. Na cicatriz são dominantes a presença de colágeno tipo I e III.
Também na fase de fibroplasia estão presentes os miofibroblastos com características de células musculares lisas. Responsáveis pela aproximação das bordas das feridas podem gerar contratura cicatricial, o que muitas vezes leva à seqüelas indesejáveis.
Após a proliferação vascular é formado tecido de granulação apresentando aspecto granuloso e avermelhado.
d) Fase de remodelação- a última fase é a de remodelação na qual a colagenólise ou seja, a degradação do colágeno supera a síntese. Essa remodelação do colágeno é a responsável pela mudança de aparência, textura e elasticidade da cicatriz. Um possível desequilíbrio entre a produção e destruição do colágeno ocasiona patologias tanto por excesso de deposição colágena (quelóide) como defeitos na cicatrização.
Existem inúmeros fatores que interferem na cicatrização como já descrito anteriormente. A desnutrição é fator importante que acarreta hipoalbuminemia, carência de vitaminas (principalmente A,B e C que contribuem para a cicatrização) além de proporcionar queda no sistema imunológico. O conjunto desses fatores anômalos favorece a infecção, que prejudica a cicatrização por causar morte celular aumentando o grau de lesão tecidual. Patologias tais como diabetes, hipertensão e toda gama de disfunção metabólica também geram má cicatrização uma vez que comprometem a perfusão dos tecidos, levando à menor oferta de oxigênio às células sendo este necessário para o metabolismo celular. Ainda como fatores prejudiciais à cicatrização podemos citar os corticosteróides que inibem a fase inflamatória, a epitelização e a síntese colágena. A radiação impede a divisão celular, alem de causar vasculite e fibrose que leva o tecido à má perfusão e hipóxia sendo também fator prejudicial à boa cicatrização das feridas.
Didaticamente pode-se classificar em dois tipos de cicatrização:
a) cicatrização por primeira intenção
b) por segunda intenção
a) A cicatrização de primeira intenção ocorre quando há aproximação das bordas da ferida logo após o trauma, por uso de sutura cirúrgica ou de esparadrapos. Nesse tipo de cicatriz as camadas da pele ou das mucosas se unem no mesmo plano o que facilita o fenômeno pela similitude histológica O resultado é uma cicatriz mais fina, e com boa aparência estética.
b) Já a cicatrização por segunda intenção se dá quando a ferida é mantida aberta por muito tempo (vários dias), não ocorrendo aproximação de suas bordas, com maior risco de cicatriz contrátil e até retráctil. Nessa circunstância as camadas da pele e as das mucosas não se aproximam em planos idênticos. Quando da presença de infecção é recomendável não aproximar as bordas da ferida devido ao risco de formação de abscesso e posterior deiscência da sutura. Neste caso pode-se realizar o fechamento da ferida quando a infecção não mais estiver presente, caracterizando uma cicatrização por primeira intenção tardia.
Todos os órgãos e tecidos após o trauma estão submetidos ao mesmo processo de cicatrização, seja o revestimento interno (mucosa) ou externo (pele). É importante observar que a cicatrização abrange todos os planos teciduais injuriados.
Bibliografia:
Fig. 1: Esquema de corte histológico da pele; à direita estão delimitadas as camadas da pele (epiderme, derme e hipoderme); à esquerda, as estruturas anatômicas. Observar os 2 plexos vasculares, um superficial e outro profundo.
Fig. 2: Esquema de corte histológico da pele onde destacamos as camadas da pele. Observar no aumento, as diferentes camadas da epiderme (córnea, granulosa, espinhosa e vasal).
Fig. 3: Desenho mostrando secção sagital do nariz e boca na linha média central da face. Observar a mucosa nasal modificada em relação a pele que recobre o nariz, constituindo um forro nasal, para filtrar e aquecer o ar ambiente que será conduzido até os pulmões