Nutrição e anticoagulantes orais – implicações clínicas

Nutricionista Claudia Melchior

Os anticoagulantes orais são usados para reduzir a capacidade de coagulação do sangue, de modo a evitar a trombose e ao mesmo tempo evitar a ocorrência de sangramento espontâneo. Eles atuam inibindo a síntese de fatores de coagulação dependentes da vitamina K, incluindo os fatores II, VII, IX e X, e também as proteínas anticoagulantes C e S.

As meias vidas desses fatores são as seguintes:

  • Fator II: 60 horas;
  • VII: 4 a 6 horas;
  • IX: 24 horas;
  • X: 48 a 72 horas.

As meias vidas das proteínas C e S são de aproximadamente 8 a 30 horas, respectivamente. O efeito “in vivo” resultante é uma redução seqüencial das atividades dos fatores VII, IX, X e II.

A vitamina K é um co-fator essencial para a síntese pós-ribossômica dos fatores de coagulação dependentes da vitamina K. Por sua vez, a vitamina promove a biossíntese de resíduos do ácido a-carboxiglutâmico nas proteínas que são essenciais para a atividade biológica.

Supõe-se que a varfarina interfira na síntese do fator de coagulação através da inibição da regeneração da vitamina K 1 –epóxido. O grau de redução depende da dose administrada.

As doses terapêuticas de varfarina reduzem em aproximadamente de 30 a 50 % a quantidade total da forma ativa de cada fator de coagulação dependente da vitamina K produzido pelo fígado. Um efeito de anticoagulação geralmente ocorre em 24 horas após a administração da droga, muito embora, o efeito anticoagulante máximo pode ser retardado entre 72 a 96 horas. A duração de uma dose única de varfarina racêmica é de 2 a 5 dias. (1)

A pesquisa se desenvolveu através de revisão bibliográfica, por meio de artigos, livros e folhetos.

Esta mistura de literatura é típica para a maioria das informações sobre interações de droga-nutriente. Então, decidir quais interações são clinicamente pertinentes, bem como, prescrever a dieta apropriada é bastante difícil.

O que pode ser observado, na maioria dos casos, é que os estudos relatam uma opinião subjetiva, inconclusiva e superficial, não chegando à apuração de dados concretos, pela exaustão de todas as pesquisas.

O objetivo de uma prescrição dietética para pacientes que usam anticoagulantes orais é colaborar com o tempo de protrombina (TP) para que se mantenha o limite terapêutico conhecendo as Recomendações Dietéticas Adequadas (RDAs) (2) para todos os nutrientes evitando assim restringir o estilo de vida do paciente.

Uma revisão das interações de anticoagulantes orais e fatores dietéticos é importante pelo fato de haver muitas publicações sobre interações de droga-nutriente (ex: livros, folhetos, e tabelas que compilaram interações informadas em outros artigos), contendo recomendações gerais relativas à ingestão de vitamina K, indutoras, na maioria das vezes, de erros de interpretação. O propósito desse artigo é revisar as fontes originais publicadas, de informações sobre as interações de fatores dietéticos com anticoagulantes orais, mostrando as deficiências do conhecimento destas interações, procurando um aprimoramento na prática clínica.

Anticoagulantes orais:

São prescritos anticoagulantes orais tipicamente durante um período de 3 a 6 meses no tratamento de trombose venosa, embolia pulmonar, infarto do miocárdio e, indefinidamente, para tratamento de pessoas portadoras de próteses cardíacas metálicas , fibrilação atrial com fatores de risco cardio-embólico , ou complicações hereditárias que resultam em um estado de hipercoagulação.

Pesquisas mostraram que indivíduos que fazem uso a longo prazo de baixas doses de anticoagulantes orais buscam efeito para a prevenção do re-infarto ou de um infarto de miocárdio agudo (3), prevenção de apoplexia (4,5), redução da atividade do fator VII em pacientes com níveis além dos normais da atividade do fator VII (um fator de risco para doença isquêmica do coração) (6), e para redução da ativação de protrombina (7). Estes benefícios documentados no uso em longo prazo de anticoagulantes orais com certeza podem resultar em um aumento do número de pacientes que podem fazer uso do mesmo.

Os 3-4-hidroxi derivados de coumarina são geralmente anticoagulantes orais usados, sendo a varfarina o derivado mais comumente prescrito. Revisões de hemóstases (8), o papel de vitamina K na formação do coágulo de fibrina (9), e o uso terapêutico de anticoagulantes orais estão disponíveis em vários artigos.

Recomendações dietéticas de vitamina k:

Os estudos quantitativos para determinação dos requerimentos médios de vitamina K são poucos. Além disso, a interpretação dos achados é difícil devido a vários fatores que incluem o baixo requerimento total do nutriente, dificuldade de dosar precisamente a vitamina nos alimentos e nos tecidos, a quantidade da vitamina em diversos alimentos e a imprecisão do método habitualmente empregado para avaliar o estado de vitamina K (9).

As recomendações dietéticas ( Recommended Dietary Allowances – RDA) para a vitamina K foram estabelecidas pela Food and Nutrition Board para crianças, homens, mulheres, gestantes e lactantes, pela primeira vez na sua décima edição (1989), tal como exposto na tabela 1(anexo).

Entretanto, até o momento, os requerimentos humanos de vitamina K são baseados somente através da coagulação. A ingestão usual de vitamina K em países ocidentais é estimada em 150-500 µg diariamente (10), quantidade essa bem acima do requerimento dietético estabelecido. Ao contrário das outras vitaminas lipossolúveis, os estoques de vitamina K diminuem rapidamente se a ingestão é deficiente (11-12). Esta informação se torna útil para uma avaliação do estado de vitamina K de um paciente que tem uma baixa ingestão de alimentos ricos por uma semana ou por mais tempo. O conhecimento da filoquinona ou vitamina K 1 , e o seu conteúdo em alimentos está incompleto ou incerto em várias tabelas (9,13).

Um método analítico bom para medir o conteúdo de vitamina K 1 de alimentos e tecidos não estava disponível até meados dos anos 80, quando um método de cromatografia líquida de alto-desempenho foi desenvolvido (14).

A vitamina K avaliada em alimentos determinados por este método foi compilada, avaliada, e publicada através de duas tabelas nos Estados Unidos (13, 15), atualmente podemos contar com uma tabela mais atual publicada nos Estados Unidos (USDA – National Nutrient Database for Standard Reference. Release 16 ) em 2003 que é uma tabela mais completa, com um número maior de alimentos, no Brasil não existe uma tabela com o conteúdo desta vitamina, dificultando o conhecimento destes valores em nossos alimentos.

A ingestão de vitamina k enquanto se faz o uso de anticoagulantes orais:

As instruções para o paciente que está fazendo uso de anticoagulantes orais são mais relativas à ingestão de alimentos com alto índice de vitamina K, que poderiam ajudar nas flutuações do limite terapêutico do Tempo de Protrombina (TP) / Razão Normalizada Internacional (INR). Também poderia se instruir aos pacientes, que consumissem uma grande quantidade de legumes e verduras para aumentar a probabilidade de que serão consumidos certos minerais e vitaminas em quantidades comparáveis aos níveis da RDA, contudo esse consumo deve ser constante para não se alterar o TP.

As referências originais relativas à interação de anticoagulantes orais com vitamina K consistem em dois estudos experimentais (16,17).

Estudos experimentais:

Karlson et al (16) e Pedersen et al (17) determinaram o estado de coagulação antes e depois da adição de vitamina K em uma "dieta normal" de pacientes que foram estabilizados com uma determinada dosagem de anticoagulante oral. Com base nos resultados, se a ingestão diária de vitamina K fosse aumentada para 250 µg, a dose de anticoagulante oral também precisaria ser aumentada (16). O primeiro dia de aumento na ingestão de vitamina K resultou em estado de coagulação fora do limite terapêutico para a maioria dos pacientes onde as ingestões eram maiores que 250 µg (16), o estudo através de Karlson et al. não achou nenhum efeito na anticoagulação leve depois de uma simples dose de 250 µg de menadione (um composto sintético usado como fonte de vitamina K) ou um dia de ingestão de 250 g de brócolis ou espinafre com um conteúdo de vitamina K calculado em cerca de 200-800 µg.

Porém, uma ingestão contínua desta quantia de vitamina K fez o TP/INR aumentar e exceder o limite terapêutico superior dentro de alguns dias. Pedersen et al (17) sugeriu que a variação diária na ingestão de vitamina K para um paciente com uso de anticoagulantes orais não deveria exceder de 250 a 500 µg. Em outro estudo usou-se um cartão no qual se estimava uma ingestão de filoquinona dietética, o cartão K incluía uma lista de alimentos comuns selecionadas, e bebidas que contem vitamina K com conteúdo maior ou igual a 5 µg por porção, sendo que alimentos com conteúdo de vitamina K baixa consumidos em grandes quantidades também contribuíram para somar a ingestão de vitamina K total, concluindo-se então que o cartão deve ser usado por pacientes que recebem terapia de anticoagulante para determinar as variabilidades dos padrões dietéticos na eficácia da droga anticoagulante e sua segurança (41)

Aplicações clínicas da vitamina K:

Existem muitas informações sobre o conteúdo da vitamina K em alimentos (13,15) e também estimativas do conteúdo de vitamina K na dieta dos pacientes. Tal estimativa seria útil nos seguintes momentos: quando a terapia anticoagulante oral é iniciada; quando se precisa de uma mudança no padrão dietético habitual que alteraria a ingestão de vitamina K; quando uma mudança no TP acontece e isso não pode ser explicada por uma interação da droga ou uma mudança nas condições da doença.

Quando a dose do anticoagulante oral é estabelecida a ingestão de vitamina K permitida deve coincidir com a ingestão habitual do paciente sendo que, uma meta razoável seria impedir a flutuação da ingestão diária de vitamina K acima ou abaixo de 250 µg de vitamina K (16,17).

Pedersen et al (17) no seu estudo sugere que doses diárias de 250 até 500 µg de vitamina K para pacientes que fazem uso de anticoagulante seriam uma ingesta segura sem haver modificações no TP/INR.