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Amamentação do Recém Nascido Pré-Termo

Leite de mães de recém-nascidos prematuros

Promover a nutrição ideal é um fator importante para elevar o índice de sobrevivência de RNPT. O objetivo da nutrição dos RNPT ainda é muito discutido, alcançar um crescimento pós natal que se aproxime do crescimento intra uterino do feto normal na mesma idade pós concepção, tem sido a lógica do presente. No entanto evitar a sobrecarga metabólica é de fundamental importância na nutrição do prematuro.
A condição de prematuridade do RN determina variações na composição do leite materno, tornando-o bastante adaptado às necessidades do prematuro. O leite de mães de prematuros (LMPT), especialmente durante as duas primeiras semanas após o nascimento, contém concentrações maiores de calorias, gordura, proteínas, sódio e IgA, e menores concentrações de lactose, cálcio e fósforo do que o leite de mães de RN a termo. Quanto maior o grau de prematuridade maior é o teor protéico e de lipídeos.
Com os avanços no conhecimento sobre a composição do LMPT e do balanço de nutrientes e crescimento do prematuro alimentado com leite humano, a oferta de leite da própria mãe para o pré- termo tem sido cada vez mais aceita na prática clínica diária, sendo quase um consenso mundial de que o melhor leite é o leite de peito ordenhado da própria mãe.
Mesmo sendo questionado por alguns, o uso de leite materno (LM) para a alimentação do RNPT de muito baixo peso é recomendado. Alimentar o RNPT com leite da própria mãe proporciona efeitos benéficos que geralmente estão relacionados às melhorias da imunidade, digestão e absorção de nutrientes, função gastrointestinal, desenvolvimento neurológico e aspectos psicológicos da relação mãe - filho.
Recém-nascidos prematuros alimentados com leite da própria mãe apresentam redução na incidência de sepse e enterocolite necrosante, doenças graves que apresentam alta taxa de morbimortalidade. Existem vários mecanismos que explicam esse efeito protetor: a melhor tolerância ao leite; a maturação da barreira da mucosa; a presença de constituintes como glutamato, nucleotídeos e fatores de crescimento; e inibidores de citoquinas pró - inflamatórias. Outro efeito importante de proteção do leite da própria mãe para o RNPT se faz através do sistema imunológico enteromamário, as mães expostas ao meio ambiente de unidades neonatais, podem induzir o sistema imunológico a produzir anticorpos específicos contra patógenos nosocomiais da unidade, que posteriormente estarão presentes no leite e protegerão seus filhos.
Além das vantagens descritas anteriormente, com relação à utilização do leite da própria mãe para o RNPT, destaca-se, ainda a importância do contato pele-a-pele entre a mãe e o RNPT. Para as mães, o estresse causado pela hospitalização do RN pode afetar a manutenção da lactação. O contato pele-a-pele diminui a ansiedade materna e aumenta o volume de leite produzido. Por essa razão, é muito importante incentivar a mãe para que preserve a lactação. São descritas vantagens sobre o desenvolvimento neurológico em crianças que recebem leite de peito. Um dos fatores responsáveis, por um melhor desenvolvimento do sistema nervoso, é a presença de ácidos graxos polinsaturados de cadeia longa, importantes na formação do tecido nervoso. Estes ácidos graxos estão presentes em altas concentrações no leite humano, contrastando com os leites de fórmulas.
Morley e Lucas(2000), publicaram estudo randomizado sobre a utilização de leite humano ou fórmula láctea em prematuros durante o período neonatal e sua influência sobre o crescimento até 7,5-8 anos de idade. Observaram que a evolução do peso, perímetro cefálico e prega cutânea foram melhores nos recém-nascidos que receberam fórmula durante o período neonatal quando comparados com aqueles que receberam leite humano. Porém estas diferenças já não foram observadas nos mesmos RNPT aos 9 meses de idade e aos 7,5-8 anos de idade. Além disso os índices de massa corpórea não diferiram entre os dois grupos de RNPT.
Portanto, além dos estudos prévios terem mostrado que o tipo de dieta pós-natal em prematuros tenha influência no desenvolvimento neurológico posterior, neste mesmo período, a dieta não influencia o crescimento e o conteúdo corpóreo de gorduras. Desta forma, baseando-se nos estudos podemos afirmar que uma boa nutrição neste período inicial da vida leva a efeitos benéficos no desenvolvimento a longo prazo, sendo um bom estímulo a uma atenção especial à nutrição do RNPT durante a sua hospitalização.

Características e composição do leite materno durante a lactação:

· Proteínas - Nas primeiras duas semanas, o leite de mães de prematuros oferece um maior conteúdo protéico em relação ao leite de mães de RN a termo (3,5 a 4,0 g/Kg/dia), considerando uma ingesta de aproximadamente 180 ml/Kg/dia. Este conteúdo diminui quando o leite se torna maduro (2,0 a 2,5g/Kg/dia) após duas semanas de lactação. A qualidade protéica do leite humano é apropriada para o RNPT devido à relação caseína/lactalbumina mais adequada; encontramos 30% na forma de caseína e 70% lactalbumina, enquanto que o leite bovino possui 82% de caseína. A fração albumina é digerida mais facilmente e promove esvaziamento gástrico mais rápido. Além disso, o maior componente a a-lactalbumina, é um dos componentes da síntese de lactose pela glândula mamária. Outros componentes importantes da fração protéica do leite humano são a lactoferrina, a lisozima e a IgA secretora, proteínas específicas para a defesa imunológica.
· Lipídeos - Os lipídeos do leite humano correspondem a 50% do teor calórico do leite; sua estrutura é particularmente adequada aos RN de muito baixo peso. Além disso, a digestão e a absorção destes lipídeos é facilitada pela estruturação da gordura em glóbulos e pela composição de ácidos graxos (elevada em palmítico, oléico, linoléico e linolênico), pela distribuição na molécula de triglicerídeos e na presença da lipase no próprio leite cuja ação é estimulada pelos sais biliares. O leite humano contém ácidos graxos de cadeia longa como o ácido araquidônico e docosahexaenóico, derivados dos ácidos linoleico e linolênico, respectivamente, importantes constituintes dos fosfolípideos encontrados no tecido cerebral e nas membranas eritrocitárias; estão associados funcionalmente com cognição, crescimento e visão. O leite das primeiras 2 semanas contem um maior teor destes lipídeos em relação ao leite maduro sendo a adição de fortificantes nesta fase não vantajosa por poder romper esta emulsão.
O conteúdo de lipídeos varia aumentando ligeiramente com o decorrer da lactação e aumenta muito dentro de uma mesma mamada. O leite de início de mamada (fração solução) contem maior teor de elementos imunológicos e o de final de mamada contém maior teor gorduroso (fração emulsão). Quando em repouso, a gordura do leite se separa, a não ser que seja freqüentemente homogeneizada. A gordura ao se separar se adere ao frasco, sondas e seringas, com diminuição da oferta ao recém-nascido, sendo necessário evitar esta perda durante a dieta enteral com redução ao máximo de intermediários para a administração do leite ao RNPT.
· Hidratos de carbono - O leite humano contém lactose e oligossacarídeos. A capacidade de absorção desta lactose pelo RNPT é superior a 90%. Os oligossacarídeos são polímeros de hidratos de carbono importantes para a defesa do organismo pois sua estrutura mimetiza receptores antigênicos bacterianos e protegem a mucosa da ação de bactérias.
· Sódio e cloreto - A ingesta de sódio de 3 a 5 mEq/Kg/dia é suficiente para permitir um crescimento e manter os níveis séricos acima de 130 mEq/L em RN com peso inferior a 1500g e idade gestacional inferior a 34 semanas, durante as primeiras 4 a 6 semanas de vida. O conteúdo de sódio no leite humano é baixo após a segunda semana de lactação, e os níveis séricos deste íon devem ser monitorizados. É necessária a suplementação de 2 a 4 mEq/Kg/dia de cloreto de sódio, para estes RN, e 1,5 a 2,5 mEq/Kg/dia para RN entre 34 e 40 semanas gestacionais.
· Cálcio, fósforo e magnésio - As necessidades em cálcio, fósforo e magnésio aumentam após a 34a semana de gestação devido à mineralização óssea. Recomenda-se, para RN com peso inferior a 2000g, 132 a 175 mg cálcio/100Kcal, 102 a 120 mg fósforo/100Kcal e 5 a 7 mg magnésio/100 kcal. O conteúdo de Ca e fósforo no leite humano é inferior a estes valores, tanto no colostro como no leite maduro. O conteúdo de magnésio é semelhante ao preconizado. O consumo de leite não fortificado pelo RNPT de muito baixo peso pode resultar em déficit na mineralização óssea, que é verificado por volta de 52 semanas pós-natais. Enquanto que a necessidade de suplementação protéica e energética pode ser prevenida com a ingesta de volumes aumentados de leite humano, a suplementação de cálcio e fósforo parece ser necessária aos RNs amamentados ou alimentados com leite humano. Os elementos citados apresentam melhor biodisponibilidade no leite humano do que nas fórmulas, mas mesmo assim até o momento acredita-se que sejam insuficientes em quantidade aos RN de muito baixo peso, até que se alcance o peso do termo (3 a 3,5 Kg).
· Componentes de defesa imunológica
-Imunoglobulinas: IgA (maior quantidade na forma secretora); IgM; IgG; IgD; IgE e complemento (C3/C4)
-Células: polimorfonucleares e mononucleares
-Lactoferrina: liga-se ao ferro e inibe bactérias e fungos
-Lisosima: ação bactericida
-Lactoperoxidase: oxidação de bactérias com atividade antimicrobiana - -Ácidos graxos: fator antiestafilococos e inativação de vírus
- - Oligossacarídeos: fator de crescimento da flora bífida com ação protetora contra enterobactérias patogênicas.
Os estudos demonstram uma menor incidência de infecções em RN de muito baixo peso que recebem o leite humano em relação aos que recebem fórmulas. Esta defesa se deve principalmente à presença da IgA secretora e da lactoferrina. A flora intestinal desenvolvida também é fator de proteção com menor desenvolvimento de flora patogênica. Sabemos que a produção de IgAs pelo sistema imune mamário envolve a presença de anticorpos protetores que são produzidos no organismo materno e transferidos ao leite. A mãe produz anticorpos específicos após exposição a antígenos estranhos e nas superfícies mucosas são incorporados ao leite e transferidos passivamente ao organismo do recém-nascido. Após o nascimento de um RNPT, a sua mãe não deverá ficar separada dele, pois a promoção de um contato pele a pele com a criança, entre outras coisas, pode auxiliar nas suas defesas imunológicas contra patógenos hospitalares.
· Leite humano e desenvolvimento
Baseados no fato de que o leite humano contem fatores importantes para a maturação e o crescimento cerebral, vários autores, como Lucas A. et al, desenvolveram estudos de seguimento e mostraram diferenças nos índices de avaliação intelectual com melhores resultados em crianças que receberam o leite de sua própria mãe quando comparados com filhos de mães que não os amamentaram, ou com recém-nascidos que receberam fórmulas lácteas. Além dos ácidos graxos de cadeia longa já citados, o leite humano contém peptídeos biologicamente ativos, cujo papel pouco conhecemos, além de todo o estímulo mãe-filho, tão valorizado quando ocorre a amamentação(Morley e Lucas,1999).

· Leite humano de banco
O Banco de leite humano é um centro especializado, responsável pela promoção e incentivo ao aleitamento materno e execução de atividades de coleta, processamento e controle de qualidade do leite ordenhado de doadora para posterior fornecimento a recém-nascidos que não podem ser amamentados pelas suas próprias mães. O seu funcionamento está
regulamentado pôr normas do Ministério da Saúde e no Estado de São Paulo pela Vigilância Sanitária.
Um dos principais processamentos aos quais o leite de banco é submetido é a pasteurização. Existem vários estudos avaliando os efeitos da pasteurização sobre os componentes imunológicos e nutrientes do leite humano. Oxtoby,1988 resumiu várias pesquisas neste sentido de diferentes autores. Conforme o autor, o leite humano após pasteurização mantém uma porcentagem elevada de IgA secretora, IgG, lisozimas, e lactoferrina,fatores estes importantes para a proteção das crianças prematuras, uma vez que nenhum outro leite sequer contém traços destes elementos. Carbonare et al, 1996 avaliando os efeitos da pasteurização sobre colostro e leite maduro não observaram alterações na capacidade do leite inibir a aderência de E. coli enteropatogênica às células epiteliais intestinais humanas. Portanto o leite pasteurizado não tem apenas a função de nutrir, como pensavam alguns, tem também a de proteger as crianças que o recebem.
Em relação à composição de gorduras do leite de banco sabe-se que, se o leite for adequadamente processado e armazenado, haverá preservação de seu conteúdo e o valor calórico será adequado ao RNPT. A determinação da gordura presente no leite é importante pois ela é a principal fonte de energia para os recém-nascidos. Para tanto realiza-se a técnica do crematócrito, método simples cujo resultado é considerado como parâmetro de energia do leite da doadora, podendo-se obter resultados da ordem de 60 a 95Kcal/100 ml de acordo com o momento da coleta ao longo da mamada.
· Aditivos do leite humano (Fortificantes)
Nos recém-nascidos de muito baixo peso (RNMBP), a utilização de leite humano da própria mãe ou de banco pode ser insuficiente para suprir as necessidades em sódio, cálcio e fósforo, particularmente após a segunda semana de vida, o que acarretaria posteriormente uma mineralização óssea insuficiente(Shanler et al,1995).
Cerca de 200 ml de leite humano por Kg de peso são necessários para fornecer ao RNMBP as necessidades energéticas diárias. O uso do leite humano exclusivo apresenta algumas limitações pela capacidade da mãe em promover um suprimento adequado, capacidade gástrica do recém-nascido e pelas conseqüências indesejáveis da sobrecarga hídrica.
Por estas razões é prática comum alimentar o RNMBP com leite humano fortificado. A suplementação preserva as virtudes essenciais do leite humano e pode ser feita por diferentes técnicas. Uma das possibilidades é a utilização do próprio leite humano desidratado ou partes dele, entretanto não é prática comum, devido às dificuldades em se obter volumes grandes de leite para tais preparações. Muitos dos fortificantes disponíveis são obtidos do leite de vaca ou de hidrolisados de proteína, portanto o perfil de aminoácidos nestes casos é diferente do obtido com o leite humano, apesar de fornecer uma proporção maior de proteínas e minerais(Metcalff et al,1994). Vários estudos tem avaliado e comparado grupos de RNMBP que receberam leite humano fortificado com os que receberam fórmulas para prematuros, com resultados semelhantes em relação a ganho em peso, altura e perímetro cefálico. Entretanto o leite materno, sempre que presente, deve ser priorizado e a sua fortificação é uma prática desejável e leva a bons resultados. Existem relatos de maior ocorrência de intolerância gástrica com as preparações disponíveis no mercado, com a redução da concentração do produto no leite os RN toleram melhor a sua administração(Shanler et al,1999)
Concluindo, segundo a literatura a melhor prática parece ser a associação de um manejo apropriado da lactação com técnicas de banco de leite para que se eleve o conteúdo de gorduras do leite, gordura essa de origem endógena, com melhora do ganho de peso das crianças, melhor absorção de cálcio a nível intestinal e com suplementação a base de fortificantes do leite humano. Para prematuros com idade gestacional inferior a 34 semanas e peso superior a 1500g, está indicado o leite humano não fortificado em volume de 180 a 200 ml/Kg/dia.

COLETA , ARMAZENAMENTO E PROCESSAMENTO DO LEITE DE MÃE DE PREMATURO ( LMPT )

Estimular a coleta do leite de mães de recém-nascidos prematuros surge como um recurso que permite a manutenção da lactação e o aleitamento adequado destes neonatos. É preciso que o leite coletado apresente o mínimo de contaminação bacteriana, para que mantenha sua qualidade microbiológica, assegurando as características responsáveis pelo valor biológico do leite e a segurança do recém-nascido. O armazenamento deve ser realizado de forma que sejam preservados seus nutrientes, mantendo sua qualidade. Diferentes formas de estocagem são possíveis: refrigeração com temperatura entre 0º C e 4º C, congelamento em temperaturas inferiores a 20º C, com ou sem pasteurização. A técnica mais conveniente para a conservação do leite a longo prazo é o congelamento, pois preserva imunocomponentes como IgG, IgA, lactoferrina e lisozima, além de inibir a atividade de crescimento bacteriano no leite fresco. O processamento apesar de poder levar à redução de imunobiológicos, é o melhor método para preparar o leite a ser estocado por longos períodos de tempo (maiores que 15 dias) além de torná-lo mais seguro para aleitamento cruzado (leite para outro RN que não o filho da própria mãe). Para a alimentação de RNPT de muito baixo peso, o ideal é armazenar o leite humano em alíquotas de pequeno volume para evitar o desperdício no descongelamento.

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